Resumo: Esta tese, escrita com os pés descalços – por se conectar, sentir e vibrar com/por tudo que é vivo, e tensionar a lógica vertical e hegemônica de produção da vida e do conhecimento – objetiva tratar o seguinte problema: como elaborar uma noção-conceito de Retirância a partir das narrativas de universitárias(os) que experienciam a migração para estudar na Universidade Federal do Piauí (UFPI)?
A pesquisa pensa e sente com/sobre o chão da região Nordeste do Brasil, contexto propositivo da investigação. São tecidos questionamentos e reflexões sobre/com/a partir de imagens hegemônicas de retirantes nordestinas(os) que, perpassadas pela narrativa única e cristalizada da dor, do sofrimento e da necessidade de migrar para garantir a sobrevivência, subalternizam e generalizam a variedade de motivações para a experiência migratória das(os) nordestinas(os).
Tais imagens são tensionadas a partir de narrativas de migração estudantil – saída de casa para acessar o território colonial da universidade. Da palavra “retirante”, penso em Retirância (retirante + experiência), palavra inventiva, noção-conceito-prática, que não implica em determinismo, mas em abertura e movimento, para compreender como as experiências migratórias nos afetam e atravessam, e de como podem ser pontes para dizer sobre as nossas existências, e reivindicar contravisualidades. Combino dois métodos para potencializar as reflexões: a Pesquisaformação Narrativa (Auto)biográfica e o método das Oralimagens, prática educativa em arte que visa acionar narrativas orais por meio de narrativas visuais ou imagéticas (e vice-versa) que geram escritas de si, que vão tensionar histórias únicas e preconceitos. No processo de produção de dados foram organizadas e executadas duas oficinas intituladas: Eu-Nós Carcará – migração estudantil na/da/para Universidade Federal do Piauí.
As oficinas foram cadastradas como Eventos de Extensão, aconteceram presencialmente na UFPI, no ano de 2022, contaram com 14 participantes-confluentes, em sua maioria estudantes oriundas(os) da região Nordeste; são acompanhadas(os) pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC-UFPI) por receberem “Auxílio Residência”, benefício de permanência estudantil. As reflexões da pesquisa são fundamentadas na perspectiva teórica (des)colonial, que representa o descalçar – tirar o sapato – como (des)aprendizagem e possibilidade de confrontar a colonialidade desde o contexto em que estamos envolvidas(os), no cotidiano. Como resultados da pesquisa, compreendo que Retirância é noção-conceito-prática que nasce de dentro das nossas experiências. Representa as táticas de (re)existências, que (re)inventam e (re)criam cotidianamente a vida. São criações de existências na lógica que produz inexistências.
Retirâncias dizem respeito aos nossos sonhos. Sonhamos com percursos diferentes dos que a sociedade há muito tem delineado como norma. Migramos a fim de desmantelar a figurabilidade da(o) retirante nordestina(o), curar e borrar essa imagem hegemônica com as nossas histórias. Migrar sim, mas para acessar, estudar e fissurar a universidade, para quebrar o ciclo da pobreza, para perceber, reaver e fortalecer a nossa dignidade. A pesquisa dispõe, ainda, de resultados artísticos em que desenvolvo, por meio da técnica da colagem digital, contravisualidades, Imagens (des)colonizadoras em Retirâncias que, criadas com/a partir das narrativas das(os) participantes-confluentes, contestam as imagens cristalizadas de retirantes e reivindicam representações outras às(aos) nordestinas(os) que migram
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